E conforme o tempo passou, Kratos e Yuudai se tornavam ainda mais próximos, entrando num relacionamento confuso onde ambos pareciam querer a mesma coisa, mas ninguém dava o primeiro passo.
Um mês havia se passado desde a briga que levou Yuudai a ficar com um gesso no braço.
Ele ainda não havia conseguido um emprego, mas parecia menos estressado que o normal, embora tivesse voltado a ser um tanto fechado em si mesmo, fumando e se perdendo em pensamentos que não dividia com ninguém.
Não era raro que Kratos percebesse Yuudai quieto demais, pensativo demais, e parecendo triste. Nunca havia perguntado o motivo, mas dessa vez o japonês parecia de fato deprimido.
Ele mal havia saído do quarto no dia anterior, e Kratos não o vira comendo nada.
Deu duas batidas na porta, e entrou logo em seguida, pois não esperava obter resposta. Yuudai estava sentado na beira da cama, fumando e lendo algum livro (provavelmente sobre Economia). Olhou de relance para Kratos, logo voltando a atenção ao livro novamente, sem dizer nada. Vestia apenas a calça que usava para dormir, e seu cabelo estava bem bagunçado. Definitivamente, ele havia se abandonado um pouco nos últimos dias.
- Yuudai, você quer me contar o que está acontecendo? – tentou perguntar num tom casual.
O japonês o olhou novamente, deixando o livro na cama e dando uma tragada.
- Não. – disse simplesmente, e fitou a janela fechada do quarto.
Kratos suspirou pesadamente, e sentou na cama ao lado de Yuudai.
- Eu não reclamo o tempo todo do cigarro só porque odeio o cheiro. É porque te faz mal, também. – arrancou o cigarro da mão de Yuudai, e o jogou no chão, pisando.
Yuudai não manifestou nenhuma reação, apenas olhou para o cigarro amassado e passou a mão no rosto, cansado. – O que você quer, Kratos? Só fala de uma vez...
- Eu já disse. Quero que me conte o que te tortura... Eu sei que tem alguma coisa que você odeia lembrar, mas que volta e meia domina seus pensamentos. Alguma coisa da época da Yakuza, eu imagino...
- Para, para com isso... – irrita-se, e levanta da cama indo até a janela, onde abre a cortina e olha para os carros e pessoas na rua lá fora. – Como se você se importasse.
Kratos ficou pensativo por um momento, olhando as costas nuas de Yuudai.
- Na verdade, eu me importo sim.
Ficaram em silêncio por alguns segundos que se arrastaram como se fossem minutos, até que Kratos viu Yuudai abaixar a cabeça, escondendo o rosto nos braços apoiados no parapeito da janela.
- Yuudai? Por favor, me fala logo o que houve! – pediu com urgência, levantando-se também e ficando o lado do outro.
- Eu não quero... Falar sobre nada disso... – a voz saía abafada.
- Mas vai falar. – disse firmemente, puxando o braço de Yuudai com certa brutalidade e fazendo com que levantasse o rosto.
Sentindo-se encurralado e com vergonha dos olhos já úmidos, olhou para os olhos amarelos que o encaravam sem piscar.
Esquivou-se de Kratos, que ainda o segurava, e sentou na cama novamente.
- Às vezes eu lembro... De quando aquele filho da puta foi morto... De quando eu não consegui realizar meu único objetivo. De quando... Nada mais tinha significado e eu me arrependi de cada coisa que já fiz na vida. Tudo, eu fiz tudo errado... – abaixando o rosto, segurou a cabeça com as mãos, parecia estar chorando.
- Sim, Nana me contou mais ou menos o que você disse à ela, sobre como se sentiu mal. – sentou-se ao lado.
- Mas tem uma coisa que eu não falei pra ninguém... É que eu também, naquele dia, não consegui nem... – era um pouco difícil entender sua voz embargada. - ...Me matar.
- Como assim, Yuudai? O que você fez? – preocupou-se imediatamente. Ele era um suicida?!
- Quando eu soube o que aconteceu... Que os italianos tinham nos traído e matado o filho da puta... Eu soube através de uma ligação, estava no quarto do hotel.
Yuudai parou de falar, pois fora interrompido pelos soluços de seu choro.
O rosto vermelho e molhado, a voz difícil de sair... Era uma imagem desoladora.
- E então? – Kratos sentia que precisava fazer com que Yuudai falasse tudo de vez.
- Então eu sentei no chão, e fiquei lá por... Não sei, quase uma hora... Ou mais? Não sei... – enxugou o rosto com a mão, desajeitado. – E só pensava em como tudo era... Vazio... Eu me arrependia demais de cada decisão que já tinha tomado na vida... E eu percebi que só queria morrer. Que era o único jeito de sair do vazio. Então peguei meu revólver e enfiei na boca, eu estava preparado... – respirou fundo com um pouco de dificuldade, o choro havia se tornado compulsivo.
Ao ver que Yuudai não estava conseguindo se acalmar, Kratos o puxou para perto de si, abraçando-o. Sentia o corpo de Yuudai tremendo, e por isso o envolveu com força.
- Eu puxei o gatilho... – conseguiu continuar. Kratos não o largou, passando a mão por suas costas, tentando de alguma forma deixa-lo mais calmo. – Mas não aconteceu nada. Aquele homem, ele nunca confiou em mim. Tirou as balas do meu revólver... Além de não ter conseguido mata-lo, ele acabou impedindo que eu me matasse... Foi como se ele tivesse ganhado de mim, mesmo depois de morto. Não consegui fazer nada que gostaria de ter feito... É disso que me lembro, Kratos. Desses momentos todos... – seu corpo voltou a estremecer, e dessa vez Kratos soltou-o.
“Será que Kratos está com raiva de mim...? Deve estar, agora que descobriu que sou tão fraco...” Yuudai pensava, desesperando-se.
- Você nunca desabafou isso com ninguém? Você nunca se permitiu chorar ao lembrar isso tudo? – Kratos perguntou, olhando-o duramente ao apartar de vez o abraço.
- N-nunca... - gaguejou, enxugando os olhos novamente.
- Você é mesmo um idiota! Como pôde pensar que conseguiria viver normalmente sem desabafar algo assim? Sem nunca por pra fora? Esse tipo de coisa que te deixa doente...
Yuudai sentia novas lágrimas ameaçando escorrer. As palavras de Kratos soavam duras demais para alguém já tão sensibilizado.
Surpreendendo (e muito) Yuudai, Kratos o segurou delicadamente pelo rosto, com uma das mãos.
Kratos segurou na nuca de Yuudai, aprofundando o beijo. O japonês estava assustado, mas não sentia vontade alguma de impedir o outro. A princípio não conseguiu corresponder, talvez devido ao choque do momento.
Mas não demorou a abraçar Kratos, e passar a mão pelo cabelo curto azul, bagunçando-o.
Yuudai nunca sentiu nenhuma aversão à homossexualidade, na verdade nunca nem parou pra pensar muito a respeito. Mas também, nunca na vida havia se sentido atraído por outro homem. Não até ter conhecido Kratos.

- Kratos... – chamou o nome do outro ao senti-lo beijando seu pescoço e passando as mãos por sua pele exposta.
- Espero que você entenda... - disse, um pouco ofegante. - Que estou ao seu lado, e que tudo vai dar certo agora. – sorria ao falar, sem sair de cima de Yuudai.
- S-sim... – se seus olhos não estivessem inchados após ter chorado tanto, com certeza estariam bem arregalados. – Kratos... O que a gente tá fazendo? – mordeu o lábio inferior, sentindo o rosto ruborizar.
- Eu não sei direito... Desculpa. – sorriu novamente, sem jeito. Jogou-se ao lado de Yuudai, deitando também. – Mas que tal a gente pensar nisso depois? Vamos dormir.
A sugestão repentina de Kratos chegou a soar cômica.
... Mas Yuudai de fato sentia-se muito cansado.


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