- Para de se olhar no espelho, vamos lá ajudar o pessoal
a arrumar a mesa pra ceia... – Kratos fala meio impaciente, puxando Yuudai pelo
braço.
- Tá bom, vamos. – disse desanimado.
Kratos já havia notado que o outro não estava muito bem
nos últimos dias. Se olhava em espelhos sempre que tinha chance, e parecia se
sentir incomodado ao fazer isso.
- Alguma coisa errada? Não gosta mais do que o espelho te
mostra? – soltando seu braço, escorregou a mão para a mão de Yuudai, e a
segurou. – Eu continuo gostando.
Yuudai abaixou a cabeça e lançou um olhar perdido ao
chão, suspirando pesadamente antes de responder.
- Estou ficando velho, Kratos.
O dragão riu, achando a preocupação de Yuudai muito sem
sentido.
- Você? Velho? Eu tenho alguns milhares de anos, sabia?!
- Mas sua cara é de trinta anos, no máximo! Eu tenho
quase quarenta, e sou só um humano normal. Já olhou bem pro meu rosto? Estou
ficando com marcas... Daqui a mais alguns anos, você vai continuar com essa
aparência, e eu vou parecer um avô!
Kratos já havia abandonado o sorriso do rosto, agora
entendia o que passava pela cabeça de Yuudai. Achou melhor abraçá-lo.
- Não se preocupa com essas coisas. Não é como se eu me
importasse com isso... Pra mim você vai ser sempre atraente. Você sabe disso.
Yuudai descansou a cabeça no ombro de Kratos.
Estava reunindo coragem para lhe fazer um pedido.
Precisava de mais coragem para falar o que queria, do que precisaria para
contar para todos que é gay e que está há alguns meses namorando com Kratos.
- Kratos... – levantou a cabeça, e fixou seus olhos
naquele olhar violentamente amarelo do outro. – Por favor, me transforme em
dragão.
A primeira reação de Kratos foi ficar com os lábios
entreabertos e sobrancelhas erguidas, como se não conseguisse acreditar no que
tinha acabado de ouvir.
- Não! – desfez o abraço, se afastando de Yuudai. –
Nunca!
- Porque não, Kratos?!
- Porque eu não quero te matar! Eu já te disse isso tudo
antes! No meu planeta, tínhamos sacerdotes que nos indicavam quais seres tinham
o corpo e a mente suficientemente fortes para que pudessem sobreviver a
transformação...
- A chance de não dar certo é tão grande assim?
- Em toda a minha vida, só ouvi falar de seis profecias
dos sacerdotes que falavam de humanos que sobreviveriam, e eles realmente
puderam ser transformados... Além desses, conheço mais três casos de humanos
que tentaram ser transformados, mas não haviam sido indicados pelos sacerdotes.
Todos os três morreram, cerca de uma hora depois de terem ingerido o sangue de
um dragão!
Kratos falava rapidamente, estava exaltado. Ao terminar
de falar, arfava e olhava para Yuudai de forma desesperada, como se ainda não
conseguisse acreditar que ele queria mesmo ser transformado.
- Um dia, Kratos... Vamos tentar. Eu quero correr esse risco.
– ele estava decidido.
- Deixa de ser egoísta! E se você morrer? Pensa na
família! E o Louis? E tem mais... Acha que eu conseguiria conviver com a ideia
de ter sido seu assassino?
- Idiota, agora é o egoísta é você! Pensa na família
também! Você iria se matar e abandonar todos?
- ... Somos dois egoístas.
Yuudai não o respondeu, apenas sentou na cama e escondeu
o rosto nas mãos, parecendo cansado. Kratos continuou de pé, sentindo-se
agoniado com as ideias de Yuudai, com toda essa situação. É claro que ele
também gostaria que Yuudai não envelhecesse. Ele também já havia pensado no dia
em que Yuudai morreria de velhice e o deixaria só.
Um silêncio pesado e desconfortável dominava o quarto de
hóspedes.
- Comida na mesa! – Luke anunciou, aparecendo na porta do
quarto rapidamente, e descendo as escadas em seguida. Ele pareceu não ter
notado o clima estranho no quarto.
- Vamos? – Kratos pediu, mais calmo e com a voz mansa.
Yuudai levantou da cama, e eles desceram.
*
Quando todos já estavam terminando a ceia, Yuudai
começava a sentir sua coragem se esvair.
“E se não aceitarem tão bem assim? E se na verdade a
Nana, a Hell e o Cain não souberem ainda? Talvez ninguém tenha visto nada na
boate, eu e Kratos podemos estar tendo uma ideia errada... E ainda tem as
crianças, será que não vão se importar? E Louis?”, ele pensava sem parar.
Estava tão distraído que errou a direção da boca e acertou a colher com pudim
no queixo.
Quem viu seu descuido acabou rindo, e entre os que riram
estava Kratos.
“Como ele pode estar tão tranquilo?!”
Lançou à Kratos um olhar preocupado, tentando demonstrar
que estava tenso.
O dragão pareceu ter entendido na hora. Mas para a
surpresa de Yuudai, ele lhe lançou um rápido sorriso tranquilizador, antes de
chamar a atenção de todos.
- Gente, tem uma coisa que eu quero dizer! – Kratos
levantou a voz, e as conversas paralelas cessaram.
Num gesto involuntário de nervosismo, Yuudai fingiu não
prestar atenção no que estava acontecendo e encheu a boca com mais pudim.
- Na verdade, que eu e Yuudai queremos dizer. – ele sorriu,
antes de continuar. – A gente tá namorando.
Yuudai sentiu o rosto ficar subitamente quente, e o
máximo que conseguiu foi mostrar um pequeno e tímido sorriso forçado, olhando
rapidamente para os rostos surpresos que os encaravam.
- Que bonitinho, o Yuudai tá todo vermelho! – Merlot
praticamente gritou. Ela parecia estar
realmente surpresa, mas muito feliz. Sua boca não fechava, pois não conseguia
abandonar o largo sorriso.
- WOOHOW! – Hell comemorou, ficando de pé e erguendo sua
taça.
Todos na mesa estavam rindo ou sorrindo, embora até mesmo
quem já soubesse da notícia aparentasse estar surpreso.
Várias vozes se misturavam, e Yuudai não conteve o
próprio riso ao ver a reação de seu filho. Finalmente sentia-se mais tranquilo.
- LUKE! – Louis gritou de repente, levantando da cadeira
e indo até o tio. – Agora somos irmãos!! De verdade!
- É mesmo! – Luke concordou com ele, aceitando o abraço.
- Kratos, Kratos! – Marie o chamou animadamente, indo até
onde ele e Yuudai estavam sentados. – Quando vocês se casarem, deixam eu levar
as alianças? Por favor!!
- Claro! Vai ser a dama de honra! – ele respondeu na
hora. – E aí, não acha que o Yuudai vai ficar lindo de vestido branco? Pede pra
ele jogar o buquê pra você!
- Yuuuuu! – ela virou para o outro, pulando no mesmo
lugar enquanto falava, de tão animada que estava. – Joga o buquê pra mim?
- Kratos! – ele tentou ficar bravo com o outro, mas no momento
só conseguiu rir.
- Parabéns! – Cain disse à eles. – Eu estava querendo
falar isso desde aquele dia em que fomos à boate e a gente viu vocês juntos,
mas sabe como é... – ele disse despreocupadamente, dando um gole na sua taça.
- Cain... – Nana chamou sua atenção, lhe lançando um
olhar repreensivo, mas que o demônio pareceu não entender.
- Ah... Então, vocês já sabiam mesmo. – Yuudai concluiu.
- Maldito Luke, que ficou de espião duplo. – Kratos
disse, recebendo de Luke apenas uma expressão culpada que denotava “o que eu
podia fazer?”.
- O Cain tá ficando bêbado, aí fala as coisas sem pensar.
Fica que nem o Luke em estado normal. – Hell comentou, puxando a taça de Cain
da mão dele. – Deixa que eu fico com isso aqui, amor. – e bebeu tudo num gole
só.
- Ei! – Cain reclamou, mas sabia que estava mesmo ficando
alto.
- Desculpe não ter falado nada, Yuu... – Nana disse ao
irmão, sorrindo e juntando as mãos num gesto de súplica. Ela sabia que ele não
resistia a suas carinhas fofas.
- Tudo bem, Nana... Mas acho que vocês podiam ter falado
alguma coisa... Nos pouparia de ficar tentando esconder durante esse tempo.
- Ora, vocês não precisavam ter escondido nada desde o
princípio. – ela piscou.
- Meus caros... – Hell já falava com a voz meio enrolada.
Havia bebido sozinha quase uma garafa inteira de vinho, com a desculpa de que
era para Cain não beber aquilo no lugar dela e passar mal. – Aqui nessa família
a gente tem os namoros café com leite meu e do Cain, e da Marie com o Louis...
Tem namoro entre espécies diferentes, afinal não esqueçamos que Marie é uma
gata... E namoro até entre terráqueo e alienígena, não é? Então, você realmente
acha... Que a gente ia se importar com um casal gay?! Fala sério... – pegando a
garrafa novamente, a bebeu diretamente do gargalo.
- Haha! Ela tá certa! – Louis falou animado, indo para
perto de Kratos e Yuudai. – Eu tô muito feliz! – ele disse aos dois.
As horas passaram e todos beberem, conversaram e
bagunçaram a sala até as quatro da manhã.