O apartamento de Yuudai demorou um pouco mais para ficar pronto do que ele esperava. Era a quinta noite em que dormia na casa da irmã.
Mas o lado bom de passar mais tempo com a família compensava a dor de cabeça que seu novo lar estava dando.
Haviam enviado alguns móveis na cor errada!
...
E mais uma noite animada, onde todos da casa iam dormir tarde, passou. Luke e Kratos foram dormir depois, pois haviam decidido passar um tempo treinando, entre as árvores.
Sujos e machucados, encerraram as atividades quando já se sentiam muito cansados.
- Valeu, até amanhã... – Kratos falou, propositalmente batendo no ombro ferido de Luke. O ruivo o xingou e riu, se despedindo também.
Silenciosamente, para que Yuudai não acordasse caso estivesse dormindo, Kratos entrou no quarto após tomar banho.
Entrou já vestindo a calça confortável que usava para dormir, com a toalha nos ombros. Jogou-a em qualquer canto, e com isso ouviu um resmungo do canto do quarto.
- Kratos, eu realmente agradeceria... Se parasse de jogar sua toalha molhada em cima das minhas roupas. – Yuudai reclamou. A toalha havia acertado bem na sua mala, que estava aberta. – Você faz isso todas as noites. – sem sair do colchonete, esticou um braço em direção à mala.
- Certo, desculpe. – disse rápido, e puxou a toalha da mão de Yuudai com agressividade, jogando-a novamente nos ombros, cobrindo as costas. – É que nessa direção ficava uma cadeira vazia.
Yuudai a principio se irritou com o gesto bruto do outro. “Ele queria arrancar minha mão junto da toalha?”
Mas pôde ver de relance algumas grandes cicatrizes pelo peito de Kratos, e lembrou que nunca o havia visto sequer de braços descobertos. Não importava quanto calor fizesse, Kratos parecia se recusar a vestir algo que deixasse o tronco à mostra.
- Escondê-las não vai fazer com que desapareçam. – sorriu maldoso. Ele sabia que provavelmente Kratos escondia as cicatrizes por vergonha. Mas algo o deixava com vontade de provoca-lo, como se irritar Kratos fosse um modo de se vingar das provocações que constantemente recebia também.
Como no dia anterior, quando Kratos falou durante uma conversa sobre como não conseguia imaginar o que levava uma pessoa a “se importar tanto com a aparência e com roupas caras”, e que achava que isso é “coisa de quem quer esconder o que é por dentro”. Ou em todas as vezes que ele lhe lançava um olhar de desaprovação e desprezo, sempre que Yuudai fumava.
Esperou algum tipo de resposta agressiva de Kratos, com aquele ar superior que lhe era comum. Mas ao contrário disso, o dragão apenas pareceu incomodado, e puxou a ponta da toalha um pouco mais para frente, cobrindo-se melhor.
Pegou a primeira camisa de mangas compridas que viu, e saiu do quarto.
“Será que fui longe demais? Ele ficou constrangido, ou foi apenas impressão minha?”, Yuudai pensou sozinho. “Talvez eu tenha tocado num assunto delicado pra ele... Mas não, o que isso importa? Ele nunca pensou antes de falar nada para me atingir. Ele não se importa com como certos assuntos podem me deixar mal.” concluiu, não sentindo remorso.
______
Na manhã seguinte, Yuudai sentia-se feliz após ter recebido uma ligação que confirmava que a troca dos móveis havia sido realizada. Poderia finalmente morar no seu próprio apartamento, e pararia de ser um incômodo na casa da irmã.
Havia escolhido um lugar com um confortável quarto extra, para que Louis dormisse lá sempre que quisesse.
Desceu as escadas e foi encontrar Nana na cozinha, para dar a notícia.
Mas a cena que encontrou lá o surpreendeu e fez com que engolisse o que estava prestes a contar.
Nana estava com o rosto molhado por lágrimas, e Luke (que estava vestindo uma camisa, que surpresa!) a abraçava, com um ar preocupado.
Hell e Cain conversam algo baixinho num tom urgente, e pararam de falar assim que Yuudai apareceu na porta da cozinha. Kratos estava sentado na mesa, ao lado de Nana e Luke. Seu rosto estava muito sério.
- O que... Aconteceu? – Yuudai perguntou, sentindo-se tenso.
- A Nana teve uma... Premonição, eu acho. Não sei que nome dar... – Luke falou, dando um rápido beijo na testa da namorada, antes de afastar-se dela para falar com Yuudai estando mais próximo. Hell assumiu seu lugar ao lado de Nana, segurando as mãos trêmulas da amiga.
- E foi sobre você. Pelo que ela... Tentou explicar, a visão dela foi muito confusa, mas o principal é que você aparecia, momentos antes de sua provável morte... E ela sentiu o desespero do momento, como se estivesse no seu lugar. Mas Kratos te salvava. – Yuudai arregalou os olhos e fitou o dragão azul que o encarava do outro lado do cômodo. Os olhos amarelos tinham um brilho diferente dos de Luke. Eram selvagens.
- Como assim? Isso quer dizer que Kratos... Ele vai me salvar de alguma coisa? – perguntou, confuso.
- Pelo jeito, sim. – a voz quase etérea de Cain se fez ouvir. Era incrível quando ele falava desse jeito, tão baixo e suave, mas perfeitamente audível. – Nana está ainda um pouco nervosa por causa das emoções fortes da visão...
- Mas... Não se preocupe, isso não foi... Um pressentimento negativo. – Nana disse para o irmão. – Afinal, o que eu vi foi você sendo salvo. Mas... Isso me leva a uma questão... Por favor, deixe que Kratos more contigo por um tempo. Eu sinto que, seja lá o que está para acontecer, não vai demorar muito. Mas você precisa estar próximo a Kratos! - terminou num tom de súplica.
- Eu... Morar com Kratos...? – a informação não tinha sido totalmente digerida.
Um dos motivos que o deixava mais feliz pelo apartamento estar pronto, era justamente poder se afastar do dragão.
- A ideia também não me soa agradável, Yuudai. Mas até hoje não houve um pressentimento de Nana que não tivesse se realizado. – Kratos falou, a voz forte e meio rouca soou irritada.
Yuudai olhou para a irmã, ansiosíssima pela resposta dele. Os olhos de Nana, ainda úmidos e avermelhados o olhavam como se implorassem que aceitasse.
- Sim, tudo bem... Não tem problema, o lugar até tem dois quartos. – disse por fim, num tom tranquilizante para que a irmã parasse de olhá-lo daquele jeito.
Sorrindo aliviada, Nana correu até o irmão e o abraçou.
Por cima do ombro da irmã, Yuudai e Kratos trocaram olhares antipáticos.
Luke, que mantinha uma postura séria, internamente havia acabado de segurar a vontade de rir que sentiu ao imaginar aqueles dois tendo que conviver.

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