quarta-feira, 14 de novembro de 2012

26. Uma Noite Muito Longa



Já fazia algum tempo que Yuudai não saía à noite. Andava ocupado, indo de terno pra lá e pra cá. Kratos não sabia pra onde ele ia, ou de que negócios tratava... Mas também, não se importava em perguntar. Aproveitava seus dias livres saindo com Luke e Cain, nos momentos em que eles estavam livres. Mas ainda não havia conseguido treinar novamente com Luke, e isso fazia com que seu comportamento agressivo, impaciente, e até mesmo competitivo, aumentasse.

Certa tarde, andava no shopping apenas com Cain. Esperavam que Luke saísse do novo emprego que havia conseguido ali, de segurança numa joalheria.

- Acho que foi o seu celular. – Cain disse, ao perceber o típico som que avisava que uma nova mensagem havia sido recebida.

- Ah, ainda não me acostumei a ter um celular... – Kratos disse distraído, pegando o aparelho no bolso da calça.


Maisonette 23:00
enviado por Yuudai Babaca às 18:47


Kratos teve um ataque de risos ao ler aquilo, mostrando o celular a Cain quando este o perguntou o que havia acontecido.

- Parece que o Luke mexeu no seu celular de novo... – Cain concluiu, rindo também.

- Falando de mim, madames? – Luke apareceu próximo a eles, sentando-se na mesma mesa onde os outros estavam, em frente à joalheria.

- Sim, seu pai gostou do apelido que você deu ao amigo dele no celular. – Cain falou.

- Amigo... – Kratos resmungou, mas ainda estava rindo. – Ele me mandou uma mensagem agora.

- Então, vão ter um encontro hoje à noite de novo? Cara, o Yuudai é um namorado melhor que eu, faz tempo que não levo a Nana a lugar nenhum... – Luke afrouxava a gravata de seu uniforme, deixando-a solta em volta no pescoço. Era estranho vê-lo de terno, demoraria até que seus amigos se acostumassem.


- Vai se foder, Luke. Você não sabe a vontade que eu tenho de socar aquela cara sonsa cada vez que recebo uma porra de mensagem assim... – guardou o celular de novo, seu bom humor parecia ter se esvaído.

- Faz greve de sexo, ué. Quem sabe ele não fica mais carinhoso nas mensagens...

- Luke, mais uma piada e eu bato em você aqui mesmo. Sabe que não estou precisando de muito motivo pra me descontrolar.  – disse sério, em tom ameaçador.
Cain disfarçou o riso na hora, bebendo refrigerante. Vai que sobrava pra ele também? A paciência de Kratos andava curta.

Luke riu, mas não o provocou novamente.

- Sabem por o Yuudai quer que eu fique indo pro Maisonette com ele? Porque ele fica sempre meio bêbado no final, e sabe que não pode confiar em si mesmo quando tá alterado. Aí, precisa de mim pra dirigir o carro. Mas quando vai pro motel com alguma mulher, eu que volte a pé. – desabafou, irritado.

Passado mais algum tempo, quando Cain e Luke já falavam sobre voltarem pra casa, Kratos decidiu falar de vez algo em que ficara pensando desde que leu a mensagem de Yuudai.

- Vocês me emprestam dinheiro? E... Podem me dar uma ajuda? – pediu, meio hesitante.



- Ah, cadê ele? Vou sozinho mesmo. – Yuudai falou consigo mesmo, olhando no relógio. Eram 23:20. “Pena que aí não vou poder beber demais.”, pensou.

Não gostava de se sentir dependente de ninguém. Mas já que Kratos estava ali mesmo, porque não se aproveitar disso? Ao menos poderia beber o quanto quisesse, e sabia que teria quem dirigisse o carro. Mas já não podia confiar tanto assim em Kratos, percebeu isso no dia em que o dragão havia ido embora sozinho da boate, sem falar nada.

Quando estava prestes a sair do apartamento, a porta abriu por fora e Kratos entrou.
Sua aparência surpreendeu Yuudai.
O cabelo estava menos bagunçado que o normal, aqueles fios azuis e rebeldes pareciam ter sido controlados com um pouco gel. Por sinal, a parte do cabelo que lhe cobria parcialmente um dos olhos estava escondendo, quase perfeitamente, a cicatriz de seu rosto. Mas o que mais chamava a atenção eram suas roupas...

- Quando foi que parou de se vestir como mendigo? – perguntou Yuudai, forçando uma voz desinteressada.

- Cala a boca e pega o carro. – respondeu mal humorado.

Yuudai o olhou como se fosse um patrão arrogante vendo um empregado malcriado lhe desobedecendo. Mas por fim não disse nada, e saíram do apartamento.

“Vamos ver se ele vai continuar achando tão divertido me usar como motorista, se eu começar a chamar mais atenção que ele”, o dragão pensou.

No carro, Yuudai tentou novamente falar sobre a repentina mudança de Kratos.

- Eu só não quero que apareçam no meu apartamento procurando pelo ladrão que levou as roupas da seção “quero ser roqueiro” de alguma loja.

- É, roubei elas na mesma loja onde você compra as suas “quero ser gay”.

Passaram vários minutos sem falar nada. Apenas o barulho do ar condicionado e do vento entrando pela janela um pouco aberta de Kratos se faziam presentes, até que ele resolveu quebrar o silêncio.

- Mas porque o interesse, hein? Preocupado que aquela garota deixe de dar preferência a você? – ele se referia a uma loira, aparentemente quase dez anos mais nova que Yuudai. Kratos havia percebido que já há algum tempo, Yuudai ficava apenas com ela quando saiam.

- Não sei como consegue falar com tanta segurança assim. Você não pode nem tirar esse casaco, não é? – a língua sempre afiada.

Instintivamente, Kratos olhou para baixo e puxou o casaco mais para o meio, cobrindo o pequeno pedaço de uma das cicatrizes que estava aparecendo. Não estava acostumado a usar camisetas, e aquela em específico não cobria totalmente todas as marcas de seu corpo.

Ao notar como sua resposta à provocação de Yuudai havia sido se encolher onde estava e tentar esconder o peito, sentiu raiva de si mesmo por sua insegurança, mas sentiu mais raiva ainda de Yuudai, por constantemente usá-la contra ele.

Naquele momento, decidiu que acabaria com a festa de Yuudai.

Quando chegaram à boate, ao contrário do que já era costume, Kratos não foi direto para o bar, onde ficava sentado o tempo todo. Foi para a pista, com uma postura totalmente diferente da que costumava ter. Assim que se aproximou, atraiu imediatamente a atenção de duas garotas que estavam dançando juntas. Elas foram até ele e (quem diria) Kratos estava agindo exatamente da maneira que vivia criticando em Yuudai.

O japonês estava sem palavras. Sentado num dos sofás próximos à pista, via um Kratos que nunca sequer pensou que existisse. Mas notou que o dragão parecia inquieto, olhava ao redor discretamente enquanto segurava a cintura de uma das garotas.

“O que ele está procurando?”, Yuudai se perguntava.

Logo viu Helena, a loira sobre quem Kratos havia falado no carro.
Percebeu também que Kratos a vira ao mesmo tempo que ele. E, estranhamente, falou algo no ouvido das meninas com quem dançava e seguiu na direção de Helena.

“Ele não vai...”, nem nos próprios pensamentos Yuudai conseguiu concluir essa frase. Continuou sentado, e deu mais um gole no copo de vodka que segurava.

Incrédulo, Yuudai observou a aproximação de Kratos, os sorrisos de Helena, e modo como em pouco tempo estavam se beijando.

Bebeu tudo que restava em seu copo num gole só, e assim que viu um garçom, pediu algo que tivesse um teor alcoólico maior. Sem vontade de levantar daquele sofá e sentindo-se totalmente passado pra trás, continuou a beber enquanto olhava para Kratos, que definitivamente havia acabado de lhe roubar a mulher (com uma facilidade que deixava Yuudai sem reação).

Num dos momentos em que novamente olhou para a pista, teve seu olhar correspondido por Kratos, quando ele percebeu que Yuudai o observava. O dragão abraçava Helena, já com certa intimidade, e olhou para Yuudai por cima do ombro dela.
E o pior, sorriu.

...

Ao terminar seu segundo copo de <i>Absinthe Ordinaire</i>, em vão esperando que as fadas verdes lhe ajudassem a recuperar o ânimo, viu Kratos indo ao banheiro.
Foi atrás.

- Kratos, eu estou indo embora. – anunciou, sentindo um mal estar que lhe deixava zonzo.

- Tudo bem. Ah, e talvez eu não volte pro apartamento essa noite. – disse com um discreto sorriso.

- Ótimo... – sentiu uma forte ânsia, que o impediu de terminar a frase. Uma fraqueza no corpo fez com que caísse no chão, e foi ali mesmo que vomitou.

- Hm... Vamos embora logo, Yuudai. – Kratos disse, com uma expressão enojada. Tentou ajudar o outro a levantar, mas o japonês ignorou seu braço estendido, apoiando-se na pia.

Jogou água no rosto, e bochechou algumas vezes até que boa parte do gosto ruim saísse da boca.
Vomitou na pia mais uma vez antes que fossem embora.

No carro, Yuudai foi deitado no banco de trás enquanto Kratos dirigia.



Yuudai parecia estar fraco, mas quando chegaram ao apartamento, mostrou que ainda tinha fôlego de sobra para discutir.

- Você é um filho da puta, Kratos... Você é um merda! – parecia ter perdido de vez o controle. – Isso tudo pra me atingir? Quer mostrar o que, que é melhor que eu?

- Haha! O que foi, Yuudai? Pensou que ela estivesse apaixonada por você ou algo assim? Se sentiu traído, foi? – ria enquanto falava, fazendo questão de que Yuudai se sentisse ridicularizado.

- Ela é só uma vadia de boate, se amassa com qualquer homem que chegue perto!

- Porque esse é o único tipo de mulher que você tem capacidade de conseguir, né? – ria novamente. - Mas, quer saber? Sim, isso foi só pra te sacanear! – levantou o tom de voz. – Achou que eu nunca ia me cansar de você sendo egoísta o tempo todo e me usando de motorista? Eu queria que você quebrasse a cara, sim!

- Porra, e pra isso precisava ficar se esfregando na garota com que eu tava ficando? Na minha frente? A noite toda?! – só não gritava a plenos pulmões porque não se sentia bem o suficiente para isso.

- Quem quis ficar olhando foi você, ora! Pelo jeito, gostou muito do meu show.

Concentrando toda a sua força no ato, Yuudai deu um soco no rosto de Kratos.
O dragão mal teve tempo de reagir, quando se deu conta sua cabeça já havia sido empurrada para trás, e seu nariz sangrava.

- Mas o que..?! – passou a mão no nariz, limpando o sangue que escorria até a boca. – Obrigado, agora não tenho mais desculpas pra não bater em você.  – acertou uma joelhada no estômago do japonês, que segurou na mesa atrás de si para não cair.

Yuudai tentou chutá-lo, mas Kratos segurou sua perna e fez com que caísse no chão.
Rolaram no chão da cozinha, em meio a violentos socos, chutes, e joelhadas...

Kratos não abusava de sua força. Apesar do calor do momento, não esquecia que era um dragão. Mas também, não perderia aquela oportunidade de bater em Yuudai!

E a verdade é que Yuudai era muito melhor de briga do que Kratos pensava.
E isso estando bêbado.

Chegou um momento onde ambos tinham sangue escorrendo pelo rosto: Kratos ganhou um corte na sobrancelha, e Yuudai, nos lábios.
Mas Yuudai estava chegando a seu limite – era impossível ganhar de Kratos na força física!
Só foi lembrar isso quando era tarde demais...

Kratos o imobilizou, jogando Yuudai de costas no chão e sentando em seu estômago. Aproveitou a posição para lhe dar mais socos, tendo alguns revidados. Yuudai acertava no nariz já machucado, propositalmente.
Mas numa das vezes em que fez menção de revidar os golpes, Kratos segurou seu pulso e o bateu contra o chão, com força.

Mas aí, o dragão parou.
Yuudai abriu a boca num grito mudo, e fechou os olhos. Foi quando Kratos percebeu que havia acabado de quebrar o braço do outro.
O japonês ficou parado e mordeu o lábio inferior com força, parecia ignorar o corte que já havia ali. Orgulhoso do jeito que era, estava tentando não demonstrar a dor que sentia.

- E-Eu... – Kratos tentou falar alguma coisa. Estava assustado.

- Kratos... Se sua vontade de me matar... Já tiver passado, pelo menos um pouco... – respirou fundo, trêmulo. – Sai de cima de mim...

Kratos levantou rapidamente, e ajudou Yuudai a se levantar, ignorando as tentativas dele de se esquivar.

- Eu vou te levar pro hospital. – Kratos disse, já pegando a chave do carro.

- Não... Não precisa... – fez uma careta de dor simplesmente ao tentar mover o braço.

Após algumas rápidas tentativas de convencer Yuudai, sem êxito, Kratos simplesmente o pegou no colo e correu com ele até o carro. Foi xingado inúmeras vezes durante o curto trajeto até a garagem, dando graças a Deus por ninguém estar acordado àquela hora da madrugada, pois a cena dos dois estava ridícula.




- Vem, Yuudai! Chega de palhaçada, você vai pra porra da emergência AGORA! – Kratos o levanta à força.

- ME LARGA CARA! JÁ DISSE QUE NÃO VOU! – empurra-o e resiste, mesmo sabendo da diferença entre suas forças.

- VAI SIM!

- ME OBRIGUE!

- É ISSO QUE TÔ FAZENDO, BÊBADO DE MERDA! – gritavam um com o outro no caminho até a porta. - E tira essa mão do meu nariz! AI PORRA!

Yuudai socou o nariz de Kratos novamente. Apertava-o também, e o dragão precisava respirar pela boca, pois havia sangue demais em suas narinas. 

- ENTÃO TIRA A MÃO DA MINHA COXA! VOCÊ TÁ SE APROVEITANDO DE MIM?

- VOCÊ É RETARDADO?!

- SÓ FALTA QUERER ME ESTUPRAR AGORA!

- SE EU QUISESSE TE COMER JÁ TERIA FEITO ISSO!

- CALA A BOCA, OS VIZINHOS TÃO OUVINDO PORRA!

- ENTÃO PARA DE GRITAR TAMBÉM!

E foi desse modo que chegaram ao carro.
Yuudai dormiu (ou teria desmaiado?) quase que imediatamente ao deitar no banco de trás.






Nenhum dos dois sabia que horas eram quando saíram do hospital.

Yuudai estava com o braço direito engessado seguro por uma tipoia, hematomas arroxeados (principalmente no rosto), lábio inchado, e usava uma "bota imobilizante ortopédica" na perna direita, havia torcido um ligamento. Pelo menos o ortopedista lhe dissera que em uma semana já poderia parar de usá-la.

Kratos andava lentamente ao lado do outro, a fim de acompanhar seu andar manco. Andava com a cabeça um pouco levantada, pressionando as narinas preenchidas por algodão.

Pararam no meio fio da rua em frente ao hospital.
Pareciam um tanto desnorteados.

- Hm... Vamos pra casa? - Kratos perguntou, olhando para Yuudai.

- ...Não tô com vontade. - surpreendeu o outro com a resposta, fitando o horizonte com o olhar perdido.

- Então quer fazer o que? - sim, estava disposto a estabelecer uma trégua. A verdade é que sentia-se mal cada vez que olhava para o estado de Yuudai. Passou a noite ao lado dele enquanto o japonês era submetido a raio-x, exames, engessamento... E durante todo esse tempo pensava consigo mesmo "Eu exagerei, ele não merecia tudo isso.".

- Vamos sentar ali. - apontou para um banquinho do outro lado da rua.
Era um lugar que dificilmente via-se vago, pois ficava em frente à praia e a vista que proporcionava era ampla e bonita. Mas o sol ainda nem havia raiado, as ruas e calçadas estavam praticamente desertas, então o banco permanecia vazio e solitário.

Foram até lá e sentaram.
Ambos sentiam-se cansados, e ficaram apenas olhando para frente por quase meia hora. Kratos ainda se espreguiçava, olhava ao redor, fechava os olhos por vários minutos... Mas Yuudai parecia estático e desanimado.
O sol começava a aparecer em frente à eles, e logo o ambiente ficou com uma coloração azulada que a cada minuto clareava mais.

- Ei, será que você deixou meu nariz torto? - Kratos quebrou o silêncio com essa pergunta, enquanto distraidamente tocava no nariz. Havia jogado o algodão ensaguentado no lixo, parecia finalmente ter parado de sangrar.

- Ele já era meio torto.

- Verdade? - nunca havia percebido.

- Sim. Só um pouco. - sorriu meio desanimado, mas parou ao notar que isso lhe causava dor nos lábios.

Mais alguns minutos de silêncio passaram.
Logo um senhor passou em frente à eles carregando seu carrinho de picolés, e o estacionou na areia da praia.

"Quem compra picolé às cinco da manhã? Quer dizer, acho que são cinco... Deve ser por volta disso.", Yuudai pensava, de uma forma distraída que não lhe era comum. Sua mente estava sempre cheia de problemas e estresse.
Quantas vezes parava para pensar sobre coisas bobas ao seu redor?
Ele não saberia dizer quando foi a última vez...



- Desculpe. - ouviu o pedido tímido. A voz rouca de Kratos lhe atraiu a atenção.

- Pelo quê? - não, Yuudai não estava sendo gentil. É que existiam tantas coisas pelas quais Kratos poderia estar pedindo desculpas, que ele realmente não sabia à qual ele estava se referindo.

- Hm... Por tudo, na verdade. Desde a garota loira...

- Ah, não precisa falar disso. - disse de forma amarga, interrompendo-o. 
Kratos apenas consentiu com um aceno discreto de cabeça.

- Na verdade... - Yuudai recomeçou a falar, pouco depois. - Não é como se eu gostasse mesmo dela. Era só que a garota me lembrava a Elisabeth, mãe do Louis. - suspirou pesadamente, olhando para baixo. - Sim, ela me largou pra dar o golpe do baú num velho, mentiu pra mim, não me contou que havia tido um filho meu, e até hoje às vezes penso nela. O quão patético é isso?

- Muito. - Kratos disse, disfarçando o riso. - Muito patético. 

- É, eu sei. - riu também, e pela primeira vez desde que saíram do hospital olhou para Kratos.

Agora, com a luz do sol, o dragão podia ver bem como o outro estava.
Sentiu seu coração apertar.

- Bem... Mas eu quis pedir desculpas por... Isso tudo também, sabe. Eu com certeza exagerei... É que eu já estava há muitos dias a ponto de explodir, a falta de treinamento físico com o Luke me faz mal... Desculpa. - olhou para baixo. O olhar de Yuudai sobre si estava se tornando difícil de encarar. 

- Bizarro. Ouvir você me pedindo desculpas... E foram o que? Três vezes seguidas? Quem diria... - voltou a olhar para frente. - Mas a verdade é que eu te devo desculpas também, sei que você me acha insuportável e eu não te culpo por isso. Também ando muito estressado. Mais que o normal.

- Mas o que... Tem te estressado tanto? Quer dizer, você estava extremamente feliz pouco tempo atrás, por ter reencontrado sua irmã e seu filho.

- Sim... E é pensar neles, e ver eles, que me dá força. - sorriu tristemente. - Eu estou desempregado. E mais da metade de todo o dinheiro que eu tinha foi embora. E eu estou começando a acumular dívidas. - desabafou tudo de uma vez.

Kratos não fazia ideia de nada disso. De fato, via Yuudai indo pra lá e pra cá de terno quase todos os dias, parecendo sempre muito ocupado e nervoso. Mas nunca se interessara pelos motivos disso tudo.

- Sempre achei que você fosse rico... Como foi que isso aconteceu? Quer dizer, se você não se importar em falar.

Yuudai pensou um pouco antes de responde-lo, e começou de forma hesitante.

- Pra poder largar a Yakuza e começar outra vida, precisei gastar a maior parte da minha... Fortuna, por assim dizer. Que foi acumulada durante todos os anos de trabalho como economista e de trabalhos para a máfia. - Yuudai suspirou fundo antes de prosseguir. - Tinha um cara que também era yakuza e trabalhava comigo, na mesma empresa, também como economista. Ele não era meu amigo, mas era o mais próximo que eu tinha de um. Depois que os italianos traíram e mim e ao homem que eu desejava matar, eu sumi. Claro que a Yakuza achou isso muito estranho, e o escolhido pra ir atrás de mim foi, justamente esse cara que trabalhava comigo. Ele e mais dois. Eu estava na França, quando ele ligou para um número privado meu, que apenas ele dentre todos da Yakuza tinha acesso. Me contou que havia sido enviado para me matar, e perguntou o que ele ganharia de mim caso ajudasse a forjar minha morte. Eu usei um contato influente dentro da grande mídia, e a ajuda dele e dos dois outros que o acompanhavam para que a falsa notícia de que eu havia sido morto se espalhasse pelos jornais franceses. E foi para essas pessoas que a maior parte de todo o meu dinheiro foi embora... Elas realmente não cobraram barato pela ajuda.

- Mas... Isso tudo tem alguma relação com os seus outros problemas...? - perguntou após absorver toda a informação. - Quer dizer, você pelo jeito ainda está tendo muita dor de cabeça atualmente.

- Até tem... Esse meu pseudo-amigo havia me prometido, com sua palavra de honra... - enfatizou essas palavras, com uma expressão sarcástica e amargurada. - ... Que quando eu viesse para o Brasil, ele me arrumaria um belo emprego aqui, numa empresa grande onde ele tinha influência. Claro que depois que eu o paguei, ele me enrolou e na verdade não arrumou emprego algum. Mas na minha situação, que tipo de garantia eu poderia exigir dele? E como eu poderia pressioná-lo agora? A verdade é que ele tem muito poder e eu, que estou tecnicamente morto, não tenho nada. E não estou conseguindo arrumar emprego porque todo lugar exige que eu seja formado em Economia... Oras, eu não me formei porque eu era considerado um gênio! Arrumei um ótimo emprego antes que acabasse a faculdade, e por isso a larguei. Mais um arrependimento pra minha lista... - completou, com profundo desânimo.

- Você pode voltar a estudar agora. 

- Voltar para a faculdade? Você só pode estar brincando. - revirou os olhos.

- De quaquer modo, não acho que você precise se estressar tanto... Se é tão bom economista, você vai arrumar um emprego! Basta ser bom no que faz, não é? Que aí a oportunidade aparece. - disse com simplicidade e um sincero sorriso. Falou de modo tão simples, como se fosse um conclusão tão óbvia, que Yuudai não quis contradize-lo.

"Não é simples assim, infelizmente.", pensou. 
Mas apenas lhe devolveu o sorriso, concordando com um aceno de cabeça.


- Até que não é ruim conversar contigo. - Kratos comentou algum tempo depois, quando já haviam algumas poucas pessoas andando pela praia. O senhor dos picolés já havia conseguido algumas vendas.

- É, digo o mesmo de você. - Yuudai riu. - Engraçado, não acha? Já deve fazer uns... dois meses, eu acho, que você tá morando comigo. E a gente não conversou mesmo nenhuma vez. 

- Bem, nas poucas vezes que você parava no apartamento, estava com tanto mal humor que não dava vontade nem de chegar perto.

- E você sempre tão agressivo e arrogante que fazia com que eu não quisesse voltar pra casa.

- Com certeza eu não era o único arrogante.

- Sim, eu sei.

Novamente pararam de falar e ficaram apenas prestando atenção no lugar ao redor, que agora revelava sua verdadeira beleza, banhada pela iluminação já não mais azulada do sol.

Uma mulher com roupas brancas, que parecia uma dessas babás de famílias ricas, passou em frente ao banco deles. Uma menina animada saltitava ao redor dela, que empurrava um carrinho com um garoto pequeno sentado dentro. Ele abraçava um urso de pelúcia grande e bonito.

- Meu sonho era ter um desses... - Yuudai comentou distraído, olhando em direção ao menino.

- Mas você já tem um filho.

- Não o menino, o urso dele. - riu.

- Sério? E porque? - achava graça.

- Ah... Bobagem. - arrependeu-se de ter tocado no assunto.

- Agora fala. - insistiu.

- Ah, é só que... - já sentia vergonha do que ia admitir. - Durante a minha infância, eu nunca tive amigos, sabe... Eu não brincava muito, ficava sempre meio... Solitário. E a minha família, você sabe como ela era. Nana com certeza lhe contou sobre nossos pais. - viu Kratos acenar afirmativamente. - E eu adorava desenhos, eram minha fuga. Eu percebi com o tempo que era muito comum as crianças dos desenhos terem um urso de pelúcia, sempre chamado Teddy. Aí na minha cabeça burra de criança, associei o ursinho à felicidade dessas crianças. Eu pensava que, se um dia ganhasse um urso de pelúcia que se chamasse Teddy, minha vida ia mudar e eu começaria a ser feliz. - sentia o rosto quente. Com certeza havia ficado vermelho, por isso olhava para baixo com a cabeça arriada, a fim de esconder o rosto da vista de Kratos. - Mas aí o tempo passou, continuei em segredo desejando isso até a adolescencia... E eu nunca ganhei meu urso, nunca mudei de vida, e nunca comecei a ser feliz de repente. - sorriu tristemente e olhou para Kratos, como se desse o assunto por encerrado.

- Eu... Sinto muito. - não sabia bem como reagir à história de Yuudai.

- Ah, não sinta. Deixa isso pra lá, era só besteira de criança. 

Continuaram ainda por um bom tempo naquele banco, conversando descompromissadamente.

Conforme as horas passaram, Kratos sentiu o estômago reclamando e imaginou que Yuudai estivesse com fome também, por isso comprou cachorros-quentes para ambos. E mais tarde, comprou até mesmo picóles no senhor que estava ali desde quando o sol nasceu naquela manhã.

À tarde, quando a praia já estava cheia de gente, resolveram voltar para o apartamento. Kratos pegou o carro no estacionamento do hospital (por pouco não o esqueceram lá) e novamente o dirigiu enquanto Yuudai ia no banco do carona.



Chegaram ao apartamento.

Yuudai abriu a porta e Kratos entrou em seguida, fechando-a atrás de si.
Estava tudo escuro, haviam deixado as luzes apagadas. 
Yuudai tateava a parede com o braço livre em busca do interruptor, quando subitamente sente Kratos o abraçando por trás.

Parou onde estava. 
A mão na parede agora o ajudava a não desequilibrar. Sem reação, sequer conseguia falar.
Kratos também não disse nada, apenas apertou os braços em torno de seu corpo. 
Yuudai sentiu a cabeça dele abaixar e se apoiar em seu ombro. 

"O que você está fazendo?!", as palavras ecoavam em sua mente, mas não conseguiam sair pela boca.

O calor de Kratos era muito forte. 
Yuudai nunca havia percebido isso, afinal nunca entrara em contato com o corpo do outro, com exceção da briga que haviam tido naquele mesmo cômodo. Mas durante a briga, obviamente não prestara atenção alguma nesse detalhe... 

Detalhe esse que parecia dominá-lo agora. Porque era um calor anormal, que apesar de muito forte não era, de modo algum, desagradável. Muito pelo contrário, Yuudai sentiu-se tão confortado que chegou a fechar os olhos.

Não soube dizer por quanto tempo ficaram desse jeito, cercados pela conveniente escuridão. Mas conforme os segundos passavam, Yuudai sentia seu coração batendo cada vez mais forte. Um nervosismo, sabe-se lá vindo da onde, tomava conta dele. 

O que ele não sabia era que Kratos sentia algo semelhante...

Não tinha vontade alguma de soltar Yuudai. Na verdade, quase tinha <i>medo</i> de soltá-lo.
Mas precisava fazer isso, por mais que a sensação de abraçar o outro fosse muito melhor do que havia imaginado que seria (pois já estava há horas com vontade de fazer isso).

E lentamente, dolorosamente, largou o corpo de Yuudai.

Esticou o braço em direção à parede e acendeu a luz. 
Passou por ele sem encará-lo, dizendo apenas um rápido "vou tomar banho". 

Yuudai continuava parado no mesmo lugar, 
sem saber se deveria simplesmente fingir que aquele momento jamais havia acontecido.






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