O apartamento era grande e bonito, mas menos “chique” do que Kratos pensou que fosse ser, para seu alívio. Sentia-se mais confortável em ambientes assim. Ainda havia algumas caixas de papelão próximas à porta da sala, mas de resto, estava bem arrumado.
Não haviam conversado durante o caminho até lá, e não trocaram uma palavra desde que Yuudai abrira a porta de casa. Pensando em melhorar um pouco o clima e mostrar que na verdade não desejava viver em pé de guerra, Kratos resolveu ajudar o outro.
- Deixa que te ajudo com essas caixas aqui, pra onde quer que eu leve?
- Não, não precisa...! – Yuudai respondeu rapidamente, mas era tarde demais. Kratos já havia levantado a maior de todas, e o fundo da caixa cedeu e rasgou, despejando no chão volumes e mais volumes de mangás. Eram edições originais em japonês, e pela quantidade, Yuudai parecia ter várias coleções completas.
- Ah, merda... – Yuudai ficou vermelho, e escondeu o rosto numa das mãos.
- Desculpe, eu recolho tudo! – “Agora sim ele tá puto comigo...” mas ao contrário do que Kratos pensava, Yuudai não sentia raiva no momento, na verdade estava apenas com muita vergonha.
Abaixou-se, ignorando os pedidos de Yuudai para que deixasse pra lá, e se surpreendeu ao ver direito o que tinha caído no chão.
- Esses não são... Mangás da CLAMP? – segurou um volume de Sakura Card Captor. No chão estava espalhados outros títulos das mesmas autoras, como Tsubada, Chobits e xxxHolic.
Kratos não conteve o riso.
- São, sim. – Yuudai respondeu, tirando o mangá da mão de Kratos e rapidamente colocando as edições de volta na caixa rasgada. Seu rosto ainda estava rubro, mas agora estava irritado também. O dragão não tirava o sorriso debochado do rosto. – Eu guardo isso, leva suas coisas pro quarto menor, segunda porta. – falou rispidamente.
- Certo... E só mangás de menina, hein? Gosto duvidoso. – simplesmente não conseguia não provoca-lo. Disse isso ainda rindo, olhando para o outro de cima.
Os dois pareciam crianças implicantes. Era como se fossem dois bullies que se enfrentavam para ver quem conseguia fazer o outro chorar primeiro.
- Sai logo daqui, Kratos! – a irritação notável no tom de voz. “E os shonens estão na outra caixa, idiota...” completou em pensamentos.
...
Algumas semanas já haviam passado, mas o clima desagradável entre Kratos e Yuudai, não.
Yuudai reclamava de Kratos com frequência, principalmente sobre sua desorganização. Também não costumava deixar escapar as chances que tinha de provoca-lo, e com o passar do tempo percebeu que, aparentemente, o ponto fraco do outro era a autoestima. Kratos era do tipo que “se achava”, mas ao mesmo tempo era um tanto inseguro por causa de suas cicatrizes. E Yuudai o atingia nesse ponto constantemente, de forma indireta ou direta.
Kratos geralmente mantinha-se em seu arrogante modo defensivo. Mas o tempo passava e sua paciência ia diminuindo. Não estava conseguindo ver Luke com frequência, também. E isso significava que se sentia incomodado com sua energia acumulada devido à falta de treinos. Estava se tornando mais impaciente e irritável a cada dia.
- Ei, Kratos. Vou ao Maisonette... Vai vir? – perguntou com certo descaso, sem olhar o outro que estava confortavelmente jogado num sofá.
- De novo? Porra, Yuudai... Não consegue ficar uns dias sem transar, não? – disse agressivo. – E não me pergunte como se eu tivesse opção... Sou sua babá, tenho que te seguir.
- Eu acho que quem devia transar é você, pra ver se deixa de ser tão estressado. – ao terminar de falar, fez questão de jogar a fumaça do cigarro em cima do outro.
“Esse cara tá de brincadeira... Eu sou estressado?” Kratos pensava. Yuudai era a pessoa mais estressada que já havia conhecido, por isso mesmo estava sempre tendo problemas com dores de cabeça e gastrites.
Levantando-se do sofá de uma vez, Kratos puxou o cigarro da mão de Yuudai com violência, e o jogou no chão.
- E eu já disse pra parar com essa merda! – controlou-se para não falar gritando. – Vou vestir qualquer coisa e já volto... E sério, não vamos demorar muito lá hoje. Eu não tô com saco.
Yuudai também se controlava. Muito.
A raiva que sentiu de Kratos no momento em que teve seu cigarro arrancado foi uma das mais fortes que havia tido desde passaram a morar juntos.
Sempre que iam à boate, Yuudai dava uma boa olhada ao redor, procurando sinais de Nana ou qualquer outro conhecido. Certificava-se também de que seu filho não era o DJ da noite. Porque não se sentiria à vontade caso alguém da família estivesse lá, não com os objetivos que tinha em mente.
Sentados no bar, bebiam. Kratos não disfarçava o tédio, estava com o cotovelo na bancada, apoiando a cabeça na mão e com cara de sono.
- Você bem que podia se vestir melhor, não acha? – Yuudai disse, olhando ao redor com aparente desinteresse. Kratos estava com uma calça jeans simples e o casaco largo que usava sempre.
- Cala a boca, é só fingir que não me conhece. – respondeu secamente, dando mais um gole. “Nessas horas que eu queria ter facilidade em ficar bêbado, seria mais fácil suportar esse cara”
Sem dizer nada à Kratos, Yuudai levantou.
- Vai lá fazer a dança do acasalamento. – o dragão disse e deu uma risada amarga. Ignorando-o, Yuudai foi até a pista, onde uma mulher o olhava fazia tempo. Ele havia percebido os sorrisinhos e comentários feitos para as amigas que a cercavam, então achou que sua hora havia chegado.
Kratos também chamava a atenção, embora estivesse sempre parecendo entediado e nitidamente se vestisse daquela forma tão “esculachada” de propósito. Não é que ele não gostasse do lugar, na verdade ele também ia à boate às vezes, mas com os amigos. Ir lá com Luke, Cain, Nana e Hell era totalmente diferente. Ele se sentia à vontade e até mesmo dançava. Mas com Yuudai... Sua vontade era de simplesmente se jogar num dos sofás do lugar e dormir.
Ele nem observava muito o ambiente ao redor, então todas as mulheres que lhe olhavam eram ignoradas. Só pensava em voltar logo para casa.
“Isso é ridículo... Quando vem pro Maisonette ele geralmente dorme fora de casa mesmo, então que diferença faz eu ficar por perto agora? Se as previsões de Nana sempre acontecem, eu não preciso ficar sempre perto dele... Quando alguma coisa acontecer, eu vou estar próximo de qualquer jeito pra poder salvá-lo.”
Incomodou-se com o pensamento.
“Salvá-lo... Como se eu tivesse vontade de fazer isso.”
A verdade é que ele só agia como “guarda-costas” de Yuudai e ficava próximo a ele o máximo de tempo possível para que Nana ficasse tranquila. A fada parecia ter se desequilibrado um pouco com a visão que teve, por isso fez com que Kratos lhe prometesse que grudaria em Yuudai. Não que ele estivesse conseguindo cumprir bem tal promessa... Afinal, o irmão dela dormia fora de casa muitas vezes, então momentos onde Kratos não fazia ideia de onde ele estava eram comuns.
“Isso não faz sentido, eu vou embora. Nana que me desculpe.” pensou ao pagar a conta e levantar logo em seguida.
Deu uma última olhada para a pista e conseguiu identificar Yuudai ao fundo, já aos amassos com alguma mulher, contra a parede.
Sentindo que havia perdido de vez qualquer mínima motivação a continuar naquele lugar, foi embora.


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