quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

59. A Morte de um Humano


Yuudai havia acabado de sair de uma conversa importante. Não foi exatamente uma entrevista de emprego... Foi mais algo como uma proposta de emprego. Poderia voltar a fazer um trabalho semelhente ao que tinha no Japão, mas ele carregava ainda muitas incertezas.
Yuudai havia buscado uma oportunidade como essa desde que chegou ao Brasil, mas agora que a chance aparecia, ele hesitava.

Ter vestido novamente aquele terno extremamente caro e ter voltado a um ambiente empresarial como aquele havia feito com que parasse para pensar: “É isso mesmo que eu quero?”
No passado, impressionar gente poderosa e ter uma boa aparência eram aspectos importantíssimos. E claro, o mais importante de tudo era ganhar dinheiro. Mas ele havia experimentado uma vida totalmente nova e surreal, ao lado de criaturas como dragões e fadas, e havia mudado mais em alguns meses do que mudou ao longo de toda a sua vida.

Percebeu que ter dinheiro já não significava muito.
Sentia-se extremamente feliz quando estava com a família, e não havia dinheiro no mundo que conseguisse lhe trazer algo parecido com o que sentia quando estava com o filho, a irmã, ou Kratos.

A vontade que sentia de recusar a proposta ia aumentando conforme o elevador descia e ele chegava ao subsolo, onde seu carro estava estacionado.

“Mas será que estou apenas ficando preguiçoso?” pensou. Afinal, ele teria que voltar a ter algum trabalho. E o que mais ele sabia fazer além disso?
Na hora, lembrou de Kratos lhe dizendo para tocar violino profissionalmente.

Rindo com a lembrança, ele balançou negativamente a cabeça.

- Kratos?! – surpreendeu-se ao ver o namorado no estacionamento vazio.

- Yuudai... Tá tudo bem? – perguntou levantando a voz, pois ainda havia uma boa distância entre eles. Era um estacionamento muito grande, e que estava praticamente vazio. Era um dia em que a empresa normalmente não funcionava, haviam apenas poucas pessoas dentro do prédio que estavam organizando papeladas.

- Sim, tudo bem... Aconteceu alguma coisa? – parou de andar em direção ao carro, indo até Kratos. O dragão parecia estar tenso.

- Eu tive um sonho muito estranho, fiquei meio... Desesperado. – ele riu sem graça, passando a mão no cabelo como se estivesse vendo que finalmente podia relaxar. – Senti você em perigo, aí corri pra cá.

Yuudai riu, mas ainda achava a situação estranha.

Havia sido um dia pacato, e agora já era noite. Ele só pensava em voltar logo para casa, tomar um banho e jantar com Kratos.

- Vamos voltar pra casa, no caminho você me conta o... – parou de falar ao sentir algo lhe arranhar o pescoço, ao mesmo tempo em que foi imobilizado pelas costas, por alguém muito maior que ele.

- QUOR! – Kratos gritou, imediatamente enrijecendo todos os músculos e ficando em posição de ataque. – E Sillis... O QUE QUEREM? – ao ouvir Kratos falando o nome de outra pessoa, Yuudai moveu os olhos arregalados para o lado, e percebeu que havia outro homem ali. Ele possuia um tipo físico semelhante ao de Kratos, e um longo cabelo verde escuro. E quando sorriu, mostrou ter caninos enormes e afiados.

- Saudades, grande líder? – o que imobilizava Yuudai perguntou, provocativo. Era uma voz grossa e forte, que soava quase como um rosnado. Parecia um pouco com a voz de Kratos, quando ele estava irritado.

- Digam logo o que querem, e soltem ele! – Kratos ordenava.

- Filho da puta... Você é um grande filho da puta, Kratos! Como se sente após ter sido o culpado por uma guerra que destruiu nosso planeta? – Sillis perguntava.

- Então vocês resolveram me culpar? – irritado e com uma angústia evidente no rosto, Kratos riu. – Tanto faz, me culpem se isso os fizer dormir em paz. Mas soltem ele. – sua voz soava extremamente ameaçadora.

- Quem diria... Um humano macho? Foi isso mesmo que chamou sua atenção? – Quor falava, continuando a ignorar as ordens de Kratos. Yuudai sentiu lâminas finas lhe cortando a pele, por cima das roupas que estavam sendo também rasgadas. – Vejamos se tem mesmo bom gosto.

Yuudai sentia que sua voz havia do embora. Além de estar assustado demais, não sabia o que devia falar para Kratos naquela hora. Gritar para que fosse embora? Não, isso seria ridículo. Yuudai não queria ser abandonado, e mais importante que isso, sabia que Kratos jamais seria capaz de deixá-lo ali. Pedir que fugisse apenas iria ferir o orgulho de Kratos.
Suas mãos, ambas nas costas sendo fortemente apertadas por uma das mãos de Quor, começavam a latejar de dor. Ele sabia que não conseguiria fugir.

Notou que as “lâminas” que lhe ameaçavam na garganta e agora lhe cortavam o peito, eram na verdade as unhas de Quor. Eram muito compridas, e pareciam extremamente resistentes.

Sentindo-se sem saída, Kratos resolveu tentar algo. Se arrependendo amargamente por nunca ter praticado telepatia com Luke, tentou se comunicar mesmo assim.

*

Luke estava encostado numa das paredes da grande joalheria. Extremamente entediado, olhava o tempo todo para o relógio, desejando que os minutos passassem mais rápido.
“Eu odeio o meu emprego. Eu devia ter estudado... Devia ter feito faculdade.” Ele pensava amargamente, amaldiçoando o dia em que aceitou ser segurança naquela loja.

“Venha. Mate o dragão de cabelo verde.”
Foi a frase que Luke ouviu ecoando em sua mente.

Entrando imediatamente em estado de alerta, ele arrancou a gratava num puxão só e a jogou no chão, andando apressadamente em direção à porta.

Vários clientes o olharam, assustados.

- LUKE! – ele ouviu o gerente gritando seu nome. O senhor já quase espumava de raiva. Ele não suportava Luke, e cada atraso diário do ruivo fazia com que ele se arrependesse de tê-lo contratado.

- Me demito! – Luke gritou, antes de sair correndo pela loja.

E ele correu. Correu muito.

Jogou seu paletó no chão também pelo meio do caminho, já se preparanado para uma luta. Corria desesperamente, e sua velocidade incrível fazia com que as pessoas ao redor sequer conseguissem ver direito seu rosto.

“Se ele me chamou, é porque está se sentindo de mãos atadas... O Yuudai deve estar de refém. E se ele especificou quem devo atacar, é porque tem mais de um...” Luke ia pensando enquanto corria pelas ruas, montando em sua cabeça o cenário que provavelmente encontraria.

Já estava chegando a um bairro vizinho.

Ele não sabia onde ficava o prédio que Yuudai havia visitado para a proposta de emprego, mas conseguia sentir o local. Era como um ímã, como se algo o atraísse instintivamente para onde Kratos estava.


Ao finalmente se deparar com o prédio em sua frente, sentiu que devia ir ao estacionamento. Por alguns segundos ficou parado, pensando em como deveria entrar em cena. Percebeu que não havia como não ser notado... E por isso, resolveu usar toda a sua velocidade e agilidade para entrar lá de uma vez e conseguir matar rapidamente o dragão inimigo.

*

- Kratos, você está ficando chato. Porque insiste em nos perguntar o que queremos? – Sillis falava. – O que nós poderíamos desejar? Tudo foi destruído, Kratos. Não temos mais nada a perder, e por isso mesmo nosso único objetivo... – arregaçou a boca num sorriso torto e que conotava sua insanidade. – É te fazer sofrer.

Sillis olhou para Quor, como se estivesse lhe dando um sinal.

- NÃO! – o grito de Kratos abafou o som do grito de Yuudai, quando Quor afundou suas longas unhas no peito do japonês.

Quase que ao mesmo tempo, Luke entrou no estacionamento. Assim                que a porta do elevador se abriu ele correu tão rápido para cima de Sillis, se jogando em cima dele,  que o dragão não teve tempo de impedir que fosse arremessado contra uma parede.

Percebendo que não teria mais muito tempo, Quor concretizou de vez sua ameaça. Enterrou as unhas ainda mais profundamente em Yuudai, fazendo com que os próprios dedos atravessassem sua pele, e as pontas das unhas aparecessem do outro lado do corpo, saindo pelas costas de Yuudai.

Após o golpe fatal, tirou sua mão dali e deixou que o corpo do japonês caísse no chão.

Felizmente, em momentos desesperadores Kratos conseguia manter a calma e agir racionalmente. Ignorando todos os seus impulsos de ir até Yuudai, correu atrás de Quor, impedindo que este fujisse. Dando um salto longo e alto, Kratos pulou em cima de Quor, apoiando um pé em cada ombro. Segurou a cabeça dele com as duas mãos, e num puxão só, a arrancou.

Após a rápida execução, Kratos voltou toda a sua atenção à Yuudai, jogando-se no chão ao seu lado.

Yuudai estava vivo, com lágrimas escorrendo de seus olhos semicerrados, e com imensa dificuldade em respirar.

- Kra... tos... – a voz quase não saiu. Yuudai gostaria de ao menos levantar o braço a fim de segurar a mão do outro, mas não conseguia se mover.

- FAZ ELE BEBER! – ouviu Luke gritando.

Ele não parecia ter tido dificuldades com Sillis, pois sua luta também já havia terminado. Com toda a força, Luke havia empurrado a cabeça de Sillis contra o chão três vezes. O piso ficou quebrado, e o que era uma cabeça agora se resumia em uma mistura extremamente ensaguentada de cérebro, cabelo verde e crânio quebrado.

- EU SEI! – Kratos respondeu imediatamente.

Não havia hesitação. Era de fato a única chance, e as altas taxas de mortalidade entre as tentativas de transformação em seres que não haviam sido indicados em profecias já não importava mais.

Kratos mordeu com força desmedida o próprio pulso, provocando um ferimento grande e aberto que sangrava em demasia. Abrindo a boca de Yuudai com a outra mão, enfiou se pulso com a ferida virada para baixo, de modo que seu sangue invadisse a gargante de Yuudai mesmo que o outro não tivesse forças para engolir.

Luke correu para o lado do pai e se abaixou no chão, olhando para Yuudai de forma ansiosa e angustiada. Yuudai já não abria mais os olhos, mas Luke pôde observar um movimento em sua garganta, indicando que ele ainda estava vivo e que o sangue estava indo para onde devia.

Após alguns segundos onde Kratos e Luke observaram que Yuudai havia parado de demonstrar quaisquer sinais de que estava vivo, Kratos tirou o pulso dali.

- Yuudai! – Kratos o chamou, segurando seus ombros.

- Vai dar certo, pai... Vai dar certo! – Luke disse com toda a confiança que conseguia reunir. Fazia força para controlar a vontade de chorar, pois sabia que se cedesse, talvez o próprio Kratos acabasse desabando.

Kratos sentava no chão, com as mãos na cabeça e um olhar desesperado que estava focado em Yuudai.

- As câmeras! – Luke disse de repente, notando que haviam várias câmeras no estacionamento, e achando estranho que ninguém da segurança tivesse aparecido ali.

- Estão exibindo um loop... Não sei como, mas eles prepararam tudo. – Kratos respondeu, sem tirar os olhos do corpo inconsciente de Yuudai. – Ele... Ele tá respirando, não é? – sua voz estava trêmula.

Luke percebeu que Kratos estava com medo de conferir a pulsação ou os batimentos de Yuudai.

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