Era um dos momentos em que
Hell ficava sozinha em casa. Cain estava na faculdade, estudando ou talvez
dando umas aulas, Luke estava com Kratos em algum lugar, Nana havia ido
resolver coisas na Dimensão das Borboletas, Merlot havia saído com amigas da
escola, e Louis e Marie com certeza estavam com Yuudai.
Hell não se importava com isso, gostava do (raro) momento
em que a casa era só sua, e aproveitava a tranquilidade absoluta do lugar para
fazer uma das coisas que mais gostava: Dormir o quanto quisesse. Certo, às
vezes ela precisava usar esses momentos para limpar a casa, se Nana lhe pedisse
isso. Mas não era o caso.
No entanto, dessa vez ela não ia dormir. Algo em seus
instintos lhe aconselhava ficar acordada.
Por isso, sentou-se numa cadeira de vime que fora
colocada em frente a porta principal da casa, e bebia vinho tinto calmamente,
saboreando-o.
Estava esperando por alguma coisa, sabia disso. Mas tinha
apenas uma vaga ideia do que poderia ser...
Até que a porta a sua frente (que ela havia deixado
destrancada) foi aberta de supetão, por um chute vindo do lado de fora. Por ela
entrou então um garoto que seria muito facilmente confundido com uma garota:
Não apenas por seu rosto delicado, mas porque vestia um belo vestido vinho, no
estilo vitoriano. Cheio de lacinhos, rendas e babados.
- EU VIM DO INFERNO, E VOU TE LEVAR DE VOLTA PRA LÁ! –
gritou essa frase, posicionando-se de pernas abertas e com um braço esticado em
direção a Hell, apontando o indicador. Sorriu vitoriosamente, como se estivesse
feliz por ter conseguido realizar uma entrada triunfal.
Infelizmente para o recém-chegado, a postura e expressão
de Hell não se alteraram. A não ser por um sorrisinho maldoso que agora o
encarava como se ele não passasse de algo inofensivo, mas levemente risível.
- Spike, há quanto tempo. – ela disse tranquilamente,
balançando a taça de vinho devagar.
- Não adianta resistir, Helleh! Eu me preparei a vida
toda pra isso! Se você não quiser voltar comigo por vontade própria, vai ser a
força! – ele parecia de fato muito determinado. Posicionou os punhos fechados
na frente do rosto. Seu corpo inteiro estava contraído, aguardava nervosamente
a reação de Hell, embora tivesse praticado essa situação inúmeras vezes.
- Lá fora... – ela disse ao se levantar, e passou por ele
como uma majestade, ignorando-o. – Não quero que seu sangue suje o chão. –
completou a frase já no bosque, e deu um gole no vinho.
Spike respirou fundo.
A presença da vampira era ainda pior do que lembrava. As
intenções que eram sentidas nela eram ainda piores do que se fossem assassinas.
Eram simplesmente indiferentes. Tudo em Hell fazia parecer que ela pouco se
importava se o garoto a sua frente morreria ou viveria, e ela nem parecia
sequer considerar a hipótese dele vencer.
- Como quiser. – ele disse seriamente, e foi para o
bosque também, ficando de frente para Hell.
“Concentrar
energia, concentrar energia...”, Spike pensava enquanto sentia o calor
aumentando em suas mãos. Ia começar essa luta já dando quase tudo de si logo no
início, queria acabar logo com isso. “Tudo
que preciso é deixa-la inconsciente e leva-la de volta...”, isso porque o
máximo que conseguiria seria deixa-la inconsciente mesmo. Sabia que a mulher a
sua frente era um monstro, que era
muito mais forte que ele.
Numa questão de frações de segundos, o garoto lançou das
mãos uma esfera energética dourada, em direção à Hell. Ele não a viu sair do
lugar, mas de algum modo ela havia se desviado de forma absurdamente rápida.
Tudo o que indicava a rapidez com que provavelmente havia
se movido era o vinho em sua taça, que balançava um pouco.
Hell começou a andar até Spike, calmamente.
Ele sentia-se imobilizado. Ela não estava fazendo nada,
mas ele não conseguia se mexer porque além do cansaço, sentia-se aterrorizado.
“E-ela... É... Pior
que Hades...”
- Balthazar, porque está fazendo isso? Ambos sabemos que
você nunca vai conseguir sequer me arranhar. – ela estava em frente a ele,
muito próxima. – Sabe por quê? – levantou a taça acima da cabeça dele. – Por
que... Você... É apenas... Uma... Cópia fraca... De mim... – disse lentamente
enquanto derramava o vinho no garoto. O líquido escorria por entre os fios
castanhos, molhava seu rosto já úmido pelas lágrimas, e por fim manchava o
vestido.
Ao terminar sua sessão de tortura psicológica, jogou a
taça no chão.
Inclinou o corpo, abaixando o rosto de modo a ficar cara
a cara com ele, e lhe mostrou o sorriso debochado que já lhe era familiar.
- E-eu... – ele tentava dizer, com a voz baixinha. –
N-não me chame de Balthazar!! – surpreendendo Hell (e a si mesmo), acertou um
soco fortíssimo no rosto dela, abrindo um corte no lábio da vampira, que
sagrava e com certeza ficaria inchado.
Ela arregalou os olhos, incrédula.
Spike também parecia assustado.
Mas ela apenas sorriu novamente, desta vez abrindo o
sorriso até que sua risada se tornasse incontrolável. Enquanto ria como se
tivesse perdido o fio de sanidade que lhe restava, foi andando de costas até
voltar a sua posição anterior.
- PODE VIR, CRIANÇA! – ela lambeu o sangue que escorria,
e lhe sorriu abertamente. – A maior diferença entre eu você... É que você é
FRACO! Não tem força de vontade! Por isso é o pau mandado que Hades sempre
quis!
- CALA A BOCA! Você vai pagar por seus crimes, Hell...!
–enquanto corria até ela, lançava mais daquelas esferas luminosas, das quais
Helleh se desviava com maestria.
- Crimes?! Essa foi a lavagem cerebral que fizeram em
você, é?
A luta continuou, e a desvantagem de Spike apenas
tornava-se mais evidente a cada minuto. Hell sequer parecia cansada, apenas
desviava.
“É agora! Vou dar
tudo de mim... Só mais um pouco!”, Spike estava pronto para dar seu ataque
final. Um golpe do qual Hell não poderia fugir. Simplesmente não poderia.
Parou de correr atrás dela.
Abaixou a cabeça, e abriu os braços.
Hell olhou curiosa, tentando compreender o que estava
acontecendo.
Mas apenas entendeu quando Spike parecia flutuar, devido à
quantidade monstruosa de energia acumulada.
- EU... VENCI!! – ele gritou, ao lançar em frente uma
enorme bola energética, tão forte e iluminada que parecia um pedaço do sol.
Deixou que seu corpo caísse no chão, cansado.
Levantou um pouco a cabeça, a fim de constatar que o
corpo de Hell estava também caído, inconsciente.
Mas não viu nada a sua frente.
- Como... Mas o que...? – confuso e sentindo o corpo todo
fraco, não encontrava vestígio nenhum de Hell.
Até que ouviu um pio agudo.
Olhou para cima, e viu um pequeno pássaro no galho de uma
árvore à frente. Totalmente vermelho.
- Maldita! Mas você precisaria... Ter continuado a beber
sangue desde que saiu da nossa dimensão pela primeira vez... – sentia-se muito
confuso e fraco, mas ia usar suas últimas forças para tentar entender como
aquilo tinha acontecido.
O pássaro se transformou na vampira, que usava os longos
cabelos cor de sangue caídos na frente de seu corpo, para que não fosse vista
totalmente nua. Sentada no galho, ela pensava se devia dar satisfações ou não.
- Sim, e eu mantive minha deliciosa dieta... Graças à
Cain.
- Cain... – Spike pensou. – O demônio!
- Além de ser o amor da minha vida, ele me fornece um dos
tipos de sangue mais poderosos que eu poderia desejar! Maravilhoso, não...?
“Então... Como não
pensei nisso? O demônio... O sangue do demônio... É por isso que ela está tão
forte.”, não conseguia mais falar, e nem ficar de olhos abertos.
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