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| Foto antiga que ilustrou originalmente essa história. |
Ainda lembro bem da primeira e única vez em que fui à
Dimensão das Borboletas. Luke nasceria em uma semana, e foi quando Kratos
percebeu que o garoto não poderia crescer sozinho. Ele tinha a tendência de se
tornar muito agressivo, impaciente... Seria um grande problema. O dragão me
disse que havia apenas uma única solução: Fazer com que Luke tivesse contato
com uma filha de Borboletas. Filhas de Borboletas são seres calmos e
pensativos, que podem completar perfeitamente a personalidade potencialmente
conturbada de um filho de Dragões. Kratos me disse também que já tinha em mente
quem seria a tal garota. Uma japonesa cujos pais estavam marcados para morrer
na mesma noite em que ela nasceria.
Sendo assim, a mando de Kratos eu fui à dimensão das
Borboletas.
E foi assustador.
Eu não enxergava nada, literalmente. Escuridão total em
todas as direções.
Permaneci parado, com medo de cair, pois não via onde
pisava. Acho que fiquei assim por quase um minuto... Até que ouvi uma voz fina,
que gritou “Um demônio!”
“Demônio? SAIA DAQUI!”
“Vá embora, ser das trevas! VOCÊ NÃO É BEM VINDO!”
“VOLTE PARA O INFERNO!”
“Um demônio!”
Centenas de vozes, vindas eu não sabia de onde.
“E eu realmente gostaria de ir embora, vocês não fazem ideia
do quanto.”, era o que eu tinha vontade de falar. Mas a verdade é que eu estava
tão amedrontado que nada respondi de imediato.
“Eu... Eu vim em paz! Tenho uma mensagem do dragão Kratos!”,
gritei para a escuridão.
“Kratos... Ele disse Kratos? O dragão azul?”
“Sim, o dragão...”
“Ele deve estar mentindo... VÁ EMBORA, SER AMALDIÇOADO!”
“VÁ!”
Eu já não aguentava mais, por momentos cheguei a ter medo de
ter ficado realmente cego ao ter chegado àquela dimensão. As vozes não paravam,
e eu continuava perdido no meio do nada.
Até que vi um par de asas azuis.
“Siga-me, querido...”, ouvi a voz vindo da direção das asas.
A voz deste ser se sobrepunha às dos outros.
Ainda assustado, andei em frente. Seguindo a única coisa
visível em meio às trevas que me cercavam.
Logo uma porta aberta e branca se tornou visível, e o par de
asas (que eu já havia percebido ser uma borboleta de um azul brilhante) entrou
no cômodo.
Eu entrei também, e a porta se fechou atrás de mim. Eu
estava dentro de um ambiente simples, sem janelas e totalmente feito de
madeira. Havia apenas uma cadeira também de madeira no meio dele. A borboleta
havia se transformado numa mulher extremamente branca e magra, bem mais alta
que eu. Ela tinha um corpo absolutamente reto, sem indícios de busto ou
qualquer outra curva humana. Eu não saberia nem dizer se ela tinha pernas, pois
estava usando um vestido que ia ate o chão, de um azul igual ao das asas da
borboleta. E ela tinha cabelos lisos que também iam até o chão, brancos como
sua pele e olhos.
“Desculpe as minhas filhas e irmãs, são muito novas e
desconfiadas. Com o passar dos séculos com certeza se tornarão boas fadas.”,
ela sorriu de forma tranquilizadora. Eu me sentia um pouco perturbado pela
aparência surreal dela, mas não me sentia ameaçado como antes. “Belo demônio...
Você não queria ter sido transformado, não é? Mas pare de se odiar, por favor.
Isso te faz muito mal. Você foi vítima de várias situações, mas finalmente sua
vida irá melhorar, com o nascimento daquelas crianças terráqueas. Você será
amado, como sempre quis. Não se preocupe, querido. Você existe para ser feliz,
assim como qualquer outra criatura e em qualquer dimensão. Tudo vai dar
certo.”, ela sorriu novamente.
Não percebi de imediato, mas eu estava chorando. A voz de tom
indescritivelmente terno, o modo como ela podia me ler e me compreender... Sim,
eu chorei naquele momento. Eu carregava pouco mais de um século e meio de
angústia e incertezas, e pela primeira vez alguém me entendia e consolava.
“O... Obrigado...”, consegui responder. Ela me indicou a
cadeira com os longos dedos brancos, e eu sentei em frente a ela.
“Pode me contar o que Kratos precisa que eu faça.”
“Bem... Não sei se a senhora sabe, mas ele pretende salvar
um humano que está para nascer.”
“Sim, eu sei. Ele sempre quis ser pai.”, ela sorriu.
“Mas ele descobriu que essa criança vai precisar ter contato
com uma filha de Borboletas, senão...”
“...Senão o equilíbrio de ambos não será estabelecido.
Entendo.”
“Na mesma noite que esse menino nascer, nascerá também uma
menina no Japão. Daqui a uma semana terráquea. Ela tem todo o potencial
necessário para se tornar uma ótima fada.”
“Kratos sabe como animar as coisas. Isso vai causar uma
grande repercussão nas dimensões, e espero que ele esteja preparado para lidar
com o próprio irmão.”, na época eu ainda não entendia o que ela quis dizer com
isso.
“Então aceita?”
“Absolutamente. Diga à Kratos que vejo um futuro brilhante.
Há algo mais que precise ser dito?”
“Não.”
“Então você tem que ir. Devido à posição atual dos astros,
cada dez minutos aqui correspondem a um dia na Terra. Agora as crianças
nascerão em torno de três dias.”, eu já não me assustava mais com esse tipo de
informação, estava acostumado com a loucura das relações de tempo interdimensionais.
“Certo... Você vai me fazer voltar à Terra?”
“Sim, querido... Ah, e não tenha uma má impressão da
dimensão das Borboletas. É um lugar lindo, uma pena que você não seja capaz de
enxergá-lo. Se eu soubesse de sua vinda, poderia tê-lo preparado para você o
visse.”
“Tudo bem, acho que compreendo.”
“Agora, feche os olhos...”, eu a obedeci. Estava acostumado
a vários métodos de entrada e saída de dimensões. Eu não tinha poder de me
transportar desse modo sozinho, mas Kratos sim. Ele que me mandava para
diferentes dimensões, com o objetivo de que o tempo para mim passasse
extremamente rápido e eu não precisasse ficar mais de dois mil anos na minha
dimensão, apenas esperando o nascimento de Luke e Nana.
“Respire calmamente. Ao inspirar, imagine que está
inspirando uma névoa azul.”, senti as mãos dela dos lados de minha cabeça. Ela
estava tocando em mim de forma tão suave que eu poderia nem ter percebido, caso
não estivesse tão concentrado. “Quando você abrir os olhos, estará na dimensão
em que nasceu. No planeta Terra. E não esqueça, querido... Você será muito feliz...
E aquela vampira realmente te ama.”, eu podia sentí-la sorrindo docemente ao
falar a última frase.
Eu me sentia entorpecido, num transe como nunca havia
experimentado. Era quase como se eu houvesse pegado no sono.
Quando abri os olhos, estava deitado na cama do hotel onde
eu havia me hospedado sob um nome falso. Liguei para a recepção perguntando que
horas e que dia eram.
Como a fada dissera, faltavam três dias para o nascimento de
Luke e de Nana.
E eu percebi que havia esquecido de perguntar o nome dela.

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