Ao chegarem no
apartamento, mal esperaram a porta ser fechada para que voltassem a se beijar,
dessa vez quase violentamente.
Kratos precisou
interromper, recuperando o fôlego antes de falar.
- Cara... Você tá beijando
um mendigo. Que nojo. – ele riu.
- Foda-se, é o mendigo
mais gostoso que eu já vi. – riu também, ainda com a respiração descompassada,
e com um olhar que indicava sua vontade de seguir adiante.
- Tá bom, mas deixa eu
tomar um banho... – sorriu com o canto da boca, se afastando do outro.
Yuudai pensou em se
oferecer para ir junto, mas lembrou-se da promessa que fizera a si mesmo sobre
parar de insistir. Decidiu que deixaria Kratos à vontade para que fizesse as
coisas a seu tempo.
Pressionou o pesço
enquanto o inclinava para os lados, sentindo-o estalar.
Era assim que tentava
recuperar a calma em situações do tipo.
Bebeu água, lavou o
rosto... E jogou-se no sofá, ao lado do violino.
Olhou para o instrumento,
ainda sem acreditar que havia realmente feito aquilo.
A vergonha que sentia ao
lembrar era tanta que preferiu não pensar muito no assunto.
Mas havia valido a pena. O
que importava era apenas que Kratos não se afastaria.
Ficou descansando no sofá
por um bom tempo, olhando distraidamente para a televisão desligada.
Pegando o violino, foi até
o quarto para guardá-lo novamente.
Percebeu que a porta
estava fechada, e por isso deu duas batidas nela.
- Espera, acabei de sair
do banho... – ouviu a voz de Kratos vindo de dentro.
Já fazia algum tempo desde
que Kratos havia começado a usar o banheiro da suíte.
Digamos que é um
privilégio especial, adquirido pelo hóspede quando o dono da casa se apaixona
por ele.
- Certo, avisa quando sair
do quarto. – Yuudai respondeu. Ia virar de costas para a porta, a fim de voltar
para a sala, quando ouviu a voz do outro novamente.
- Yuudai...
- O que foi? – não recebeu
uma resposta de imediato. – Tem alguma roupa que você quer que eu pegue aqui
pra você?
- Não. – ouviu do outro
lado da porta. – Pode entrar.
Yuudai sabia que aquela
não era a voz normal de Kratos.
Ele parecia inseguro.
Ao abrir a porta,
encontrou o outro de frente ao espelho de corpo inteiro pendurado na parede,
com a toalha lhe cobrindo as costas. Ele segurava as pontas dela na frente,
desse modo ficando totalmente envolto.
“Eu devia comprar toalhas
mais curtas.” Foi o pensamento pervertido de Yuudai, que por um momento
amaldiçoou as toalhas grandes (e caras) que tinha em casa.
Kratos o olhou pelo
espelho. Estava anormalmente sério.
- O que foi? – Yuudai
perguntou.
- Você tem certeza que
quer ver?
Yuudai então entendeu
finalmente qual era a situação.
“Sim, eu quero muito!” era
o que seu interior gritava.
Mas... Kratos não parecia
nada confortável.
Aproximando-se por trás do
outro, o abraçou sem se importar com a toalha molhada entre eles.
- Só se você quiser,
Kratos.
Ainda hesitante, o dragão
respirou fundo antes de soltar a toalha, que segurava em frente ao peito.
Para sua surpresa, Yuudai
agarrou a toalha e a manteve no lugar.
- Você tem certeza que
quer mostrar? – perguntou sorrindo.
Kratos sorriu também, ao
ver sua pergunta própria pergunta sendo devolvida.
Acenou afirmativamente com
a cabeça e Yuudai soltou a toalha, afastando-se um pouco das costas do outro
para que ela caísse de vez no chão.
Kratos se olhava no
espelho, sério e aparentando desgosto com a imagem que via.
Com as sobrancelhas franzidas,
encarava a enorme cicatriz que atravessava o seu peito. Ela era realmente
grande, e um pouco funda. Passava por cima de um dos mamilos, distorcendo-o.
Mas essa cicatriz não era a única, pois haviam várias outras provenientes de
suturas pelo seu peito e abdomem, e pelas coxas e pernas também. Na direção da crista
iliaca, havia uma cicatriz de queimadura muito semelhante à das costas.
Por sinal... O que mais
chamava a atenção eram as costas. Toda
ela era coberta por cicatrizes de queimaduras, que se extendiam até a parte de
trás dos braços, e chegavam até mesmo às nádegas.
Com certeza Yuudai jamais
havia imaginado que eram tantas assim.
E foi impossível que não
se surpreendesse ao ver tantas marcas.
Kratos olhava para o chão,
aguardando apreensivamente a reação de Yuudai, que o olhava da cabeça aos pés através
do espelho, e também para para a parte de trás do seu corpo.
O peito de Kratos subia e
descia mais rápido que o normal, enquanto ele tentava controlar o nervosismo,
tentando manter a respiração calma.
Yuudai não ficou o
analisando por muito tempo, afinal sabia o quanto isso era desconfortável para
o outro.
Livrou-se rapidamente da
própria camisa e a jogou no chão, a fim de sentir do melhor modo possível a
pele de Kratos ao abraçá-lo novamente.
Não tirava os olhos do
espelho à frente, e ali os olhares de ambos se encontravam.
Suas mãos acariciavam a
enorme cicatriz do peito do outro, enquanto ele sentia a aspereza das costas
com a própria pele.
Mas aquilo não o
incomodava.
A felicidade que sentia
por estar finalmente sentindo aquele calor anormal diretamente da pele de
Kratos fazia com que se sentisse em seu próprio paraíso.
De olhos fechados, Kratos
sentia-se mais aliviado que nunca.
Mal acreditava que a
primeira reação de Yuudai havia sido abraçá-lo, mesmo que tivesse acabado de
descobrir o quanto sua pele era “deformada”.
- Yuudai... Você... Não se
importa mesmo? – perguntou baixinho, sentindo as mãos de Yuudai explorarem tudo
que alcançavam.
- Você é perfeito, Kratos.
Perfeito... – disse em seu ouvido.
Kratos mordeu o lábio,
contendo uma vontade de chorar que considerou ridícula, mas que não conseguiu
evitar por muito tempo.
A partir daí, tendo sido
empurrado para cima da cama, Kratos sentiu na pele a sinceridade da paixão que
Yuudai declarou ter por ele e por seu corpo imperfeito.
Aquela manhã iniciava uma
nova fase na vida de ambos.
Agora, não tinham mais
como voltar atrás.
E mesmo que tivessem, não iam querer.
_______________ Extra: Histórias por trás das Marcas _______________
Ambos estavam deitados na
cama.
Yuudai, um pouco mais
abaixo, usava o braço de Kratos como travesseiro.
- Da onde foi essa? –
Yuudai seguia a extensão da cicatriz do peito do outro, delicamente com os
dedos.
- Uma das lutas mais
difícieis... Eu era jovem e idiota, pensava que era o dragão mais forte e que
poderia vencer qualquer um. Até que um dragão de um clã rival me arrebentou...
Ele usava uma espécie de espada, e foi com ela que fez isso em mim. – levantou
o braço que estava livre e mostrou algumas outras. - A maioria das cicatrizes
de suturas que eu tenho foram dessa luta que quase me matou. Mas ela foi muito
importante, me fez abrir os olhos e a partir de então eu treinei feito louco...
- Quem fazia essa suturas?
Tinha algum médico lá?
- Alguns seres de outros
planetas viviam no Planeta dos Dragões. Dentre eles, um grupo de fadas... Sim,
fadas igual sua irmã. – sorriu. – Elas que remendavam a gente.
- E essa aqui... É o que
eu estou pensando? – apontou para uma que ficava pouco acima do cotovelo do
braço direito. Era uma cicatriz estranha, funda e que dava a volta no braço.
- Se você está pensando
que eu perdi esse braço e ele foi costurado de volta no lugar... Você está
certo. – ele riu do olhar espantado de Yuudai.
- Como assim?! Seu braço
realmente... Se separou do corpo?
- Sim. E mesmo depois de
ter sido posto de volta no lugar, ficou meio diferente... Tenho bem menos força
com esse braço do que com o outro.
Yuudai sentiu-se
importante ao notar a confiança que estava sendo depositada em si.
Kratos, um guerreiro,
estava lhe contando até mesmo seus pontos fracos.
- E essas queimaduras
todas?
- Todas pelo mesmo motivo.
Eu voava baixo, pouco acima dos dragões que corriam em terra... Meu estilo
sempre foi esse. Mas isso fazia com que dragões inimigos que voavam mais acima
conseguissem me atingir. Então eu constamente recebia jatos de fogo nas costas.
- Hm... E todo dragão usa
espada, que nem aquele do tal clã rival?
- Cara... Você não tá com
sono? – riu, um pouco cansado.
- Ah, desculpe. – sorriu,
sentindo o rosto esquentar.
Não havia percebido que
estava sendo chato.
- Tudo bem, não tem problema
perguntar... – Kratos beijou sua cabeça antes de prosseguir. – Não, cada dragão
tem o seu próprio estilo. Nem todos usam armas, até porque alguns, como eu, não
tem habilidade alguma em lutar usando instrumentos.
- Então qual o seu estilo?
– perguntou.
Não disfarçava a
curiosidade, perguntava algumas das coisas que sempre quis saber.
- Corporal. Me chamavam de
monstro... – riu, lembrando os velhos tempos. – Não sou muito rápido, mas sou
extremamente forte. Minhas táticas não eram nada complexas... Consistiam basicamente
em meter a porrada, e arrancar braços e cabeças dos inimigos com as próprias
mãos.
- Que ignorância. – Yuudai
comentou, balançando a cabeça em desaprovação.
Os dois riram.
Pareciam estar tendo uma
conversa normal, embora qualquer pessoa que ouvisse o que falavam fosse pensar
que haviam se drogado.